quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

com Público

A CONTAMINAÇÃO

(mini conto poético)

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Fui pego na avalanche do ódio. Me parecia inconcebível que isso pudesse nos atracar, foi surpreendente. Como se fosse um navio desgovernado dentro deste mar sem fim, irreconhecível. De repente não éramos nós mesmos tendo ciência de nossos atos. Me refiz a tempo, entretanto e, situei-me assim, como um satélite da lua para tentar entender os seus atos. Lembrei-me até de um poema que há tempos escrevi que se chamava “O TOURO” foi terrivelmente surpreendente. Eu tinha que refletir sob o ponto de vista de alguém de fora olhando o mais profundo. Então me colocando de fora foi que mergulhei neste mar, dela.

Eu tentei reconhecer as profundezas e todos aqueles peixes lindos e coloridos que nadam como se flutuassem. As pessoas são assim, há muitas riquezas escondidas e também perigos mortais. Os contornos das pedras, as algas, a areia branca e os capins, os sumidouros. Tudo era tão nada humano que a similaridade do ódio que lhe acometia e me mostrava aquela irracionalidade e não me deixava compreender toda àquela entranha do ser tão rico mas, que me fulminava com este odiar os não iguais.

Contrapontos terríveis, não a deixava respeitar as adversidades ou as diversidades dos seres. Todos tinham que ser aquilo que ela queria que fossem. O ódio é um sentimento de posse daquilo que nos fogem aos controles. Egoísmo levado a suma potência. Ela havia perdido a referência, eu a conhecia ou, pensava conhecê-la. O ódio não condiz com democracia!

A pessoa fica sem controle da carga que se ajunta dentro dela e isso começa a derramar pela boca, com as palavras hostis, os olhos se avermelham dando visibilidade ao sangue enegrecido e aquecido além do calor normal. Desperta-se o Touro. O inumano a toma e se torna santificado. Você será dele, o Touro é quem manda.

Ao reparar a pessoa e seus trejeitos, seu olhar, sua boca, seus lábios, o som das palavras e um barulho estranho saído de sua garganta, me coloquei em seu lugar e me fiz a primeira pessoa de seu sentimento e de seu discurso, até aqui transcrito. Ela jamais soubera da minha perspicácia em colher poesia deste seu sentimento tão mesquinho. Ela parecia regozijar-se em derramar sobre mim, o seu veneno mortal, sim, esta cicuta estava lhe matando e alguém precisava saber e degustar sua ira, ainda que fosse pelo amor de Deus.

Ela me dizia “Eu sou do bem eu sou de Jesus, eu sou de Deus”. Talvez as afirmações fossem apenas afirmativas desesperadas para se tentar respirar. Você não presta! Me disse, como se fosse finalizar seu estado irado de ser e descansar mas, retomava me xingando por todos os pormenores e com todas as palavras não imagináveis e descabidas. Desfez da minha pessoa, me chamou de pobre com desdém, faminto desgraçado, desprezível, elencou que certamente eu era mais um destes malditos que vivia recebendo uma bolsa família.

Bradava ela ainda, vociferando como o Touro de meu poema antigo: “Quanto eu estava ganhando para defender este ladrão canalha, todos vocês, adoradores deste ladrão analfabeto, têm de ir embora de nosso país, vão pra cuba, morrer de fome lá. Vão pra Venezuela, vão!” E ante que finalizasse com as suas máximas de praxe de: Petistas ter de morrer todos! Ela enfatizava a palavra “NOSSO PAÍS”. Concomitantemente, ressoava-me as suas suplicas: “Eu sou do bem, eu sou de Jesus, eu sou de Deus! (Não me lembro se esta era a ordem correta de suas pronúncias.)

Era tão surpreendente a sua atitude, sua coragem inconsequente, que meu lado poeta de ser me fez reparar sua beleza e a sua insensatez não me afetou em tempo nenhum, fiquei imaginando cenas de seu trabalho e seu carinho em clinicar as crianças de filhos de ricos que ela tratava, lembrei-me do quadro da entrada de seu consultório infantil, uma auscultando um belo cão. Meiguice e doçura retratada.

Quero dedicar este texto, a essa pessoa…uma brasileira, uma pessoa querida que o ódio implantada nela por uma rede de televisão a roubara do amor. Agora aqui, nas últimas palavras digitadas, ainda me ocorria a delicadeza de suas mãos tão finas, recebendo uma flor de uma criança que era filha da sua última empregada. (Uma senhora que ela dispensou do trabalho, por ter tido direitos trabalhistas reconhecidos no governo petista). Ela também fez questão de me declarar um falso poeta  - o que retruquei calmamente: "ainda bem, afinal, isso não é uma questão de caráter, melhor que ser falso profeta!"

ZéReys Santos. Autor, escritor e poeta Brasileiro.